Caminhando pelas ruas de Belém, nota-se que há muitas edificações religiosas, institucionais, civis e industriais. Elas são exemplos vivos de vários períodos históricos, desde o colonial, passando por construções do século VXIII, pelo ecletismo do final do século XIX, até as primeiras décadas do século XX, com movimentos como art noveau e art deco, e, também, obras neocoloniais, protomodernas e modernistas, não esquecendo, claro, do particular “raio-que-o-parta”.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenadora de extensão do Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação/LACORE, Roseane Norat, explica que as obras monumentais, coloniais e ecléticas, representadas pelas igrejas e palácios que se somam ao casario eclético do período da borracha são muito conhecidas e apreciadas, mas não devem limitar o olhar do paraense. “Temos obras de outros momentos e estilos arquitetônicos como as modernistas e suas variações muito representativas, até o regionalismo crítico da década de 1980, estes últimos carentes de um reconhecimento que lhes garanta a permanência na paisagem”, afirma.
Segundo a especialista em Restauração e Preservação do Patrimônio Arquitetônico, o cenário arquitetônico regional foi fortalecido na década de 1980. Buscou-se uma leitura regionalista da produção local, com utilização de amplos telhados, uso intenso de madeiras e materiais regionais. Preocupou-se com o conforto ambiental e a valorização da arquitetura vernacular como ponto de referência e inspiração.
Apesar de a maioria das pessoas lembrarem mais das igrejas, a Cidade das Mangueiras também abrigou importantes estruturas arquitetônicas de caráter militar que desapareceram ao longo dos anos. “As obras militares foram distribuídas tanto na porção continental quanto na faixa fluvial da Baía do Guajará. À medida que a cidade se expandia para além de seu ponto de origem, o Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém (1616), outras estruturas fortificadas surgiam nas áreas de expansão”, informa Roseane Norat.
Entre essas estruturas ela cita o Baluarte de Nossa Senhora das Mercês ou Forte São Pedro Nolasco (1665), a Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra (1686), o Forte e Bateria da Ilha dos Periquitos (1738/1793), o Fortim da Barra de Belém na ilha do Fortim (1724), a Bateria de São José (1771), o Reduto de Santo Antônio (1791), a Bateria de Val de Caes (séc. XVIII), além das baterias de curta duração de Campanha, do Arsenal e do Carmo (1793).
Hoje, de todas essas estruturas, só restam o Forte do Presépio e as fundações consolidadas do Baluarte de Nossa Senhora das Mercês ou Forte São Pedro Nolasco, situadas na atual Estação das Docas, área aterrada para a construção do porto. “Simbolicamente eu destaco a explosão da Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra de Belém, ocorrida em 9 de maio de 1947, a qual servia como depósito de inflamáveis após descarga elétrica decorrente de um raio, sem dúvida uma das maiores perdas da engenharia militar na Amazônia”, afirma a professora.
Conservação do patrimônio
Para a pesquisadora, pior do que a ação do intemperismo atuando nos materiais, é o descaso das pessoas com esse patrimônio. Ela afirma a conservação do patrimônio é, na maioria das vezes, só lembrar de estruturas mais centrais. “Geralmente, associa-se valores de preservação às edificações coloniais e ecléticas restritas ao centro histórico de Belém e antigo núcleo da cidade, os bairros Cidade Velha e Campina. Soma-se algumas obras modernistas tombadas pelo município e pelo estado e só. Porém, a cidade é bem mais rica que isso”, diz.
Para ela, preservar não é só cuidar da fachada: “nesse princípio substituem portas e janelas de desenhos únicos por vedações vazias em vidro temperado, ou gradis também por outros ‘modernos’ arranjos em vidro e inox, são demolidos pisos e forros trabalhados para dar lugar a pisos frios de porcelanatos ou forros lisos de gesso ou outros materiais. Tira-se assim a essência da edificação, sua autenticidade. Cria-se cenários vazios, ocos, sem identidade”, alerta.
“Outros proprietários, por vezes descontentes com a ausência de ações mais eficazes do poder público, optam pelo abandono e até aceleram o processo de deterioração com a retirada de telhados e janelas. Triste ver edificações mais recentes que poderiam ter sido preservadas e adequadas aos novos usos serem descartadas para a inserção de construção de baixa qualidade formal. Devíamos nos perguntar qual cidade queremos? Uma cidade sem memória, sem charme e identidade ou uma cidade que saiba se reinventar, renovar-se ao mesmo tempo em que respeita sua história arquitetônica e urbanística?”, indaga.
Roseane lamenta o esquecimento de algumas obras, como a Residência Reinaldo Silva, projeto de Roberto de La Rocque Soares, que foi demolida. Para ela, era um exemplar único de concepção formal com o uso de técnica e plástica construtiva brutalista. “Poderia pelo menos parcialmente ter sido incorporada ao projeto que a sucedeu”, lembra.
A pesquisadora ressalta ainda que Belém compreende mais de 39 ilhas, entre elas a Ilha de Mosqueiro e o distrito de Icoaraci. Todas possuem depositários de estruturas arquitetônicas de interesse à preservação, com seus chalés de madeira e, também, obras de outros períodos históricos que merecem atenção e valorização.
MEMÓRIA ARQUITETÔNICA
- Período Colonial:
– Colonial Português:
Prédio sede da Tuna (estrutura em alvenaria de pedra e vãos em arco abatido)
De quando: século XVIII
Onde fica: rua Siqueira Mendes, nº 234
– Barroco Pombalino:
Casa Rosada (atribuída ao arquiteto italiano Antônio Landi)
De quando: meados do século XVIII
Onde fica: na Siqueira Mendes, nº 61, esquina da Félix Rocque
- Ecletismo:
Edifício da Loja Paris N’América
De quando: 1906/1909
Onde fica: rua Santo Antônio, nº 132, esquina da praça Barão do Guajará
Palacete e Vila Bolonha
De quando: 1905
Onde fica: avenida Governador José Malcher, nº 295
- Neocolonial:
Edificações Neocoloniais
De quando: 1940 a 1950
Onde fica: podem ser encontradas na praça Amazonas, na rua Dr. Moraes (entre a avenida Nazaré e Braz de Aguiar), e na Praça da Trindade (esquina da Gama Abreu com a Presidente Pernambuco)
- Modernista:
Casa Belisário Dias
De quando: 1954 (projetada pelo arquiteto Camilo Porto de Oliveira)
Onde fica: avenida Almirante Barroso, nº 986, esquina da Vileta
- Raio-que-o-parta:
Edificações na praça do Carmo
De quando: décadas de 1950, 60 e 70
Onde fica: rua Siqueira Mendes
Fotos: João Paulo Guimarães
Texto: Alan de Jesus