O ambiente do qual Fafá de Belém mais gosta, na cobertura da zona oeste de São Paulo, onde ela mora há mais de 30 anos, é a sala, entre o fogão à lenha e a piscina. É onde ela reúne a família e os amigos e cozinha as coisas que mais gosta de saborear, entre elas peixe e frutos do mar. Cores, estampas e grafismos tomam conta da sala de estar e da cozinha. Nesses ambientes ela também escuta música e gosta de ouvir Ella Fitzgerald, Diane Schuur, Elis Regina, Alice Caymmi, Dona Onete, entre outros.
A artista é apaixonada por esculturas e louças e está encantada com as louças portuguesas da Bordallo Pinheiro. “Uma delicadeza!”, avalia. A obra de arte que ela gostaria de ganhar seria um Gauguin.
Um lugar para viver alternativo à sua casa seria um palácio, com muitos cômodos e jardins, diz a admiradora do falecido arquiteto e designer brasileiro José Duarte de Aguiar. Na opinião dela, um lugar inesquecível fora do Brasil é a Capadócia.
Entre a cultura de Belém e de Portugal
Fafá de Belém carrega no nome sua história de dupla origem. De família lusitana e nascida na capital do Pará, a artista é popular aqui e do outro lado do Atlântico. “Amo as duas terras e me sinto em casa tanto aqui quanto lá”, diz. Ela já lançou discos de fado e foi apadrinhada por Amália Rodrigues, uma das entidades da música portuguesa. Uma de suas canções, “Vermelho”, virou hino extraoficial do Benfica, time de maior torcida de Portugal.
Toda essa trajetória e afeto justificam, destaca a cantora, a dupla cidadania: Fafá é brasileira e portuguesa. E como uma das representantes mais fiéis do amor pela cultura lusitana e paraense, ela foi escolhida para ser a embaixadora dos laços entre Belém e Portugal, honraria concedida pela Prefeitura de Belém e pela UNESCO em junho deste ano. A honraria integrou a programação do projeto Laços, que celebrou o elo entre os países e homenageou a cultura, a gastronomia, a música e a história compartilhadas entre o Pará e Portugal.
“Belém tem a ver com Portugal na arquitetura e na cultura”.
Fafá de Belém.
Confira a entrevista exclusiva com Fafá, que fala sobre sua ligação de afeto entre Belém e além-mar:
Revista: Como começa a sua história com Portugal?
Fafá: Há três décadas, com a primeira apresentação em uma casa portuguesa, o Casino Estoril. Em Portugal sinto-me em casa, amada, aconchegada. E foi por tudo isso – e não somente pelos laços ancestrais – que pleiteei a dupla cidadania para mim e minha família. Minha primeira ida a Portugal foi em 1978, a convite da RTP, para fazer um especial de final de ano sobre o álbum “Banho de Cheiro”. Em 1985, fui convidada pelo presidente Mário Soares para fazer parte de uma caravana de artistas por todo o país. Em 1986, novamente fui convidada pelo Casino Estoril para fazer a reinauguração do mesmo, na época, sob nova gestão. Minha filha cresceu nos bastidores do Estoril. Todos os garçons a conheciam.
A minha ligação com Portugal é tão forte que decidi celebrar em Lisboa o primeiro aniversário da minha neta. Sou luso-brasileira e tenho muitos parentes portugueses. Alguns familiares são de Castelo de Paiva, já os Figueiredos da família são de Vouzela registrados em Viseu, e meu pai cresceu em Leça da Palmeira, embora seja o único brasileiro da família. Nasceu em Belém, mas ele voltou para Portugal.
Revista: Como você se tornou uma artista tão popular em Portugal, inclusive com uma de suas canções sendo entoada como “hino” do Benfica, um dos maiores times do país?
Fafá: Quando meu pai morreu, meu motorista veio me pegar e passou em frente ao Estádio da Luz. Era jogo do Benfica. A torcida inteira estava cantando “Vermelho”, música que gravei tempos antes. Eu digo que nesse dia Portugal me enrolou em uma bandeira do Benfica, me colocou no colo e cuidou de mim. Eu sou flamenguista, corintiana e torço para o Paysandu. Agora, como posso não reconhecer o carinho de uma torcida, e dizer que isso é só um trabalho? Ninguém implantou isso, a torcida começou a cantar nas ruas.
Revista: De fé mariana, Belém fez do Círio de Nazaré a maior festa católica do mundo. Você, como devota de Nossa Senhora, sente também essa fé mariana em Portugal?
Fafá: Belém é a capital brasileira que mais se parece com Portugal, em vários aspectos, e não somente pelas manifestações de fé e religiosidade. O evento da Cova da Iría é um marco representativo no culto à Virgem. E a visitação, homenagens, romarias até hoje ao local são expressões emblemáticas, simbólicas dessa devoção. Eu me chamo Fátima por conta da homenagem a Nossa Senhora feita pelo meu pai. Numa época, doente, em Paris, ele ficou desenganado, recebeu a extrema unção e se curou por milagre de Fátima. Então ele fez uma promessa de que a primeira filha seria dedicada a Fátima. Nossa Senhora de Fátima está do meu lado antes mesmo de eu nascer.
Revista: É importante manter vivo esse elo histórico entre o Pará e Portugal?
Fafá: Nossos elos são históricos. Nossas trajetórias, que se cruzaram no passado, geraram frutos, gerações, criaram raízes. Temos ligações afetivas, falamos um mesmo idioma, temos uma enorme herança cultural. Somos países irmãos.
Revista: Como você recebeu o título de Embaixadora dos Laços Culturais entre Belém e Portugal?
Fafá: Recebi com muito orgulho, foi uma honra para mim. Mas é, também, uma grande responsabilidade. Tornar-me embaixadora significa que tenho um imenso caminho a trilhar e que devo, ao trafegar por ele, pensar e trabalhar pelo estreitamento ainda maior desses laços.
“Considerada como ‘a mais portuguesa das cidades brasileiras’, Belém recebeu fluxos migratórios nos finais do século XIX e durante o século XX: portugueses, sírio-libaneses, japoneses, judeus, espanhóis e italianos”.
Fafá de Belém.
Fotos: Caio Galucci, Fábio Bartelt, Mariza Lima e Marcello Castelo Branco
Texto: Luiz Cláudio Fernandes