O casamento entre a arquitetura e o social não poderia ser em outro lugar senão na primeira casa de espetáculos construída na Amazônia: o Theatro da Paz. Com 143 anos de história, o maior teatro da região norte não apenas dialoga com seus lustres de cristal, pisos em mosaico de madeira nobres, afrescos nas paredes e nos tetos, gradis, obras de artes e elementos decorativos revestidos com folhas de ouro; mas sai de sua estrutura física para ir ao encontro da população.
Fotos: Walda Marques.
Texto: Alan de Jesus.
É na arte e pela arte que esse amor está se concretizando. O teatro-monumento, por meio do seu conhecido Festival de Ópera, vem realizando projetos sociais que possuem como premissa a qualificação profissional, com investimento na cadeia produtiva, a formação de plateia e a democratização do acesso à arte. Esse encontro só é possível graças a uma série de investimentos que desde 2019 proporcionaram, sobretudo durante a pandemia, a reforma, o restauro e a revitalização do famoso ponto turístico paraense.
O amor está não apenas no palco, mas no coração de quem o administra. Daniel Araújo é diretor do Theatro da Paz e apaixonado pelo espaço desde dos seus 7 anos, quando fez sua primeira apresentação musical no local. De lá para cá o sentimento cresceu e hoje ele é o responsável por seus projetos e por todo o cuidado que o lugar vem recebendo. “Esse senhor de 143 anos já viveu tanta coisa bonita, tem tanta história para contar que não dá para pensar em sua reforma sem ter em mente seu patrimônio”, afirma. “Comecei o trabalho com uma vistoria para a criação de um laudo que identificasse aspectos emergenciais, assim como o que precisava ser feito a longo e médio prazo. Tinha muito a ser feito, infiltração, troca de teto, revitalizações, restaurações e pequenos reparos”, lembra.
Com um investimento de mais de um milhão e duzentos mil do Governo do Estado do Pará por meio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), as obras foram iniciadas em 2019 e avançaram bastante após o fechamento do teatro em função dos protocolos de segurança, devido à pandemia de Covid 19. “Nós fizemos tudo, desde a calçada do teatro, até o lustre central. Além disso, criamos espaços, como uma sala de ensaio, que hoje funciona na área que estava ociosa. Revitalizamos o foyer, que agora abriga a exposição ‘Ópera Viva – 20 Anos do Festival de Ópera do Theatro da Paz’, trazendo figurinos de algumas das montagens realizadas pelo Festival ao longo de duas décadas. Também reativamos um palco no porão, colocando um piano novo, criando um espaço para concerto de câmara. Por fim, reativamos o café, espaço não só para pessoas que vêm assistir os espetáculos, mas, também, para quem passa pela praça da república”, conta.
FESTIVAL DE ÓPERA
O Theatro da Paz possui o segundo Festival de Ópera mais antigo do país. Em sua 20ª edição, o espetáculo não é só uma apresentação, mas um conceito de pertencimento e investimento na cadeia produtiva local, tendo como foco seu encontro com o lado social. “A partir de todo investimento na área física, identificamos também que deveríamos ter uma mudança conceitual em relação ao festival. Percebemos que há uma carência de mão de obra, sobretudo para os bastidores com confecção de figurino e cenários, mas não só, pois também precisávamos de uma renovação de cantores”, explica.
A partir dessas demandas, o conceito do teatro vem mudando e se transformando na concepção de um teatro-escola: “criamos um curso de formação em ópera, que está em sua 3ª edição. Iniciamos com 20 alunos bolsistas e hoje estamos com 90, sendo 45 técnicos de teatro de 45 cantores líricos. Além disso, entendemos que a ação deles não deve se dar apenas em dois meses, período das apresentações, mas ao longo do ano todo, pois assim movimentamos a economia criativa”, explica.
O Festival também realiza dois projetos sociais: “Som da Liberdade” e “Ter Paz”. O Primeiro acontece dentro da comunidade carcerária, com oficinas de confecção de figurinos e de cenários, para os custodiados pelo sistema prisional. “Já tivemos até uma ópera que usou o resultado desse projeto. Proporcionamos que eles assistissem, vendo o resultado do seu trabalho. A proposta é que após o período de reclusão eles sejam contratados pelo festival”, deseja. O outro projeto trabalha com a presença do festival em áreas de maior vulnerabilidade. “Os corpos artísticos vão se deslocar para essas áreas, saindo dos limites do teatro. Assim, desejamos formar público e mostrar o quanto estamos abertos, pois o teatro é um espaço de todos e todos devem se sentir pertencentes a esse local”, afirma.
Com a reforma estrutural e a reforma conceitual, o Theatro da Paz é hoje um espaço vivo e pulsante de arte em Belém. Esse casamento entre a arquitetura e o social não só tem gerando afeto e carinho pela arte, mas, também, vem criando novos filhos, projetos, eventos e espaços, que vêm crescendo e alimentando o sangue artístico novo que corre nas veias da cidade.
O teatro foi fundado durante o período áureo do Ciclo da Borracha, quando ocorreu um grande crescimento econômico na região amazônica. Belém foi considerada “A Capital da Borracha”. Foi a primeira casa de espetáculos construída na Amazônia e tem características grandiosas: 1.100 lugares, acústica perfeita, lustres de cristal, piso em mosaico de madeiras nobres, afrescos nas paredes e teto, dezenas de obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro.
No salão de espetáculos as cadeiras conservam o estilo da época em madeira e palhinha adequadas ao clima da região. A balaustrada é toda em ferro inglês folheado a ouro. A pintura em afresco do teto central apresenta elementos da mitologia greco-romana fazendo uma alusão ao Deus Apolo conduzindo a Deusa Afrodite e as musas das artes à Amazônia. No centro do teto foi adaptado o lustre em bronze americano que substituiu um grande ventilador que ajudava a amenizar o calor. Nas paredes, com motivos florais, as pinturas imitam o papel de parede.
O hall de entrada é composto por materiais decorativos importados da Europa: ferro fundido inglês nos arcos das portas, escadaria em mármore italiano, lustre francês, bustos em mármore de carrara dos escritores brasileiros José de Alencar e Gonçalves Dias, estátuas em bronze francês, piso com pedras portuguesas formando mosaico e coladas com o grude de Gurijuba (peixe da região), paredes e teto pintados representando as artes gregas.
O Salão Nobre (Foyer), local onde a nobreza costumava se reunir, para bailes, pequenos recitais e durantes os intervalos dos espetáculos, é um espaço altamente decorado com espelhos e lustres em cristal francês e bustos em mármore de carrara de dois grandes compositores: Carlos Gomes e Henrique Gurjão. O mezanino do salão era o local usado pelos músicos nos eventos sociais e frequentado pelas pessoas do paraíso em noite de espetáculos.
A Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (OSTP) realiza temporada de concertos mensais no Theatro da Paz, mantém um programa de concertos didáticos, um projeto de interiorização, concertos ao ar livre, uma série de câmara, além de atuar no Festival de Ópera do Theatro da Paz. Desde janeiro de 2011 é conduzida pelo maestro Miguel Campos Neto e se destaca na imprensa nacional, recebendo elogios da crítica especializada. Também está no corpo artístico a Amazônia Jazz Band (AJB), cuja trajetória é marcada pela qualidade técnica conquistada ao longo do tempo, aliada à versatilidade do repertório e à grande receptividade do público paraense. Desde 2012, o pianista, arranjador e regente Dr. Nelson Neves está à frente da banda.
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SERVIÇO
(91) 4009-8750
@theatrodapazoficial
Visitas podem ser realizadas de forma espontânea pelo público que está a passeio pela praça da República ou preferencialmente agendadas através do e-mail visita@tdapaz.com.br. Ingresso: R$ 6 inteira e R$ 3 meia para estudantes, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência e acompanhantes. Às quartas-feiras, visitas gratuitas.