Há exatos 100 anos o Theatro Municipal de São Paulo abria suas portas para uma exposição de pinturas, esculturas, saraus e apresentações musicais do compositor Villa-Lobos e da pianista Guiomar Novaes. Esse evento, que ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, veio a ficar conhecido como a Semana de Arte Moderna, considerado um marco oficial do movimento modernista no Brasil.
Os escritores Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade foram os principais nomes do evento, assim como os artistas Anita Malfatti e Di Cavalcanti. O objetivo da Semana de Arte Moderna era provocar a imprensa, fazer muito barulho, para apresentar ideias de vanguarda.
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“Com certeza os agentes da semana, os artistas que fizeram esse festival, tinham em mente essa ideia de ter impacto na mídia, de fazer barulho, de se alinhar a uma ideia de vanguarda, de desafio das tradições”, explica Heloísa Espada, curadora do Instituto Moreira Salles (IMS), organização que, no ano passado, realizou um ciclo de palestras [disponíveis no site da instituição] para discutir o evento junto com o Museu de Arte Contemporânea (MAC) e a Pinacoteca do Estado.
Importância da Semana de Arte Moderna
A semana foi realizada pouco tempo depois do fim da Primeira Guerra Mundial e da pandemia de gripe espanhola e no ano em que o Brasil celebrava o centenário de sua independência.
São Paulo iniciava o seu processo de industrialização, com a economia ainda baseada no café. O Brasil se modernizava e alguns intelectuais e artistas da época, influenciados pelas vanguardas europeias, também propunham um novo olhar sobre a arte brasileira.
“A ideia de arte moderna acaba tendo relação com a ideia de cidade, com a criação de espaços urbanos. Esse momento, de início de século, é um momento de urbanização, de transformação das cidades, de modernização”, explica a especialista Heloísa.
“São Paulo passa a se desenvolver com o comércio do café na segunda metade do século XIX. E quem banca a semana, quem põe dinheiro para a semana existir, é uma elite cafeeira que ganha dinheiro no interior, nas fazendas, mas que não quer mais viver nas fazendas; que tem possibilidade de viajar para fora do país e quer viver em uma cidade que tem os benefícios da modernidade. É a riqueza do campo que paga essa ideia da arte moderna. Essa urbanização, esse desenvolvimento, é fomentada por essa riqueza que vinha, principalmente, das lavouras de café”, explica.
Como foi articulada a Semana de Arte Moderna?
A semente da Semana de Arte Moderna foi plantada em 1921, em uma reunião no Grande Hotel da Rotisserie Sportsman, onde hoje é a prefeitura paulistana. Lá, intelectuais e artistas se encontraram com o escritor e diplomata Graça Aranha.
“Nessa ocasião, ele [Graça Aranha] teve contato com esse pequeno grupo formado pelo Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e muitos outros. A Anita Malfatti é convidada a participar desse encontro. Ela vai acompanhada de uma moça, uma amiga, porque não ficava bem ela ir sozinha, já que era solteira e mulher. Surge a ideia de se fazer um grande evento, reunindo artes como pintura, poesia e música, além de comida”, conta Luiz Armando Bagolin, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).
É de Graça Aranha a ideia de que o grupo procure Paulo Prado, um grande exportador de café de São Paulo. “Eles então se encontram com Paulo Prado, em sua casa no bairro de Higienópolis, e ali surge a ideia da semana. Foi Paulo Prado quem sugeriu o nome [do evento] e o financiou”, destaca o professor da USP.
Meses depois da reunião, o Theatro Municipal recebeu uma exposição de artes em seu saguão e três noites de sessões literárias e musicais. O evento foi inaugurado com uma palestra do escritor e diplomata Graça Aranha, no dia 13 de fevereiro de 1922.
Na programação, constava ainda a leitura da poesia de Manuel Bandeira, chamada Os Sapos, uma crítica ao parnasianismo – movimento literário que se preocupava com o fazer poético: a arte pela arte. Pela obsessão com a precisão, os parnasianos foram criticados pelos modernistas que pregavam a liberdade estética. A leitura feita por Bandeira foi muito vaiada pelo público presente. Aliás, vaias e críticas foram a tônica de toda a semana. E foi isso que a tornou um sucesso, na visão dos artistas responsáveis pelo evento.
“A leitura que eles [os modernistas] fizeram, terminada a semana, foi que eles conseguiram provocar os araras. Quem são os araras? Os jornalistas. O Mário [de Andrade] diz assim: ‘os araras morderam a isca. Os araras foram provocados e aí tivemos êxito’. A semana, no momento em que aconteceu, foi um evento muito bem sucedido do ponto de vista da propaganda, por uma estratégia de propaganda”, descreveu Luiz Armando Bagolin.
“Ao contrário de todas as iniciativas individuais e coletivas que tinham acontecido antes, foi a primeira vez que isso atraiu a fúria dos araras. No tempo deles, a semana teve importância não tanto pelas obras que foram apresentadas – e muitas delas nem era modernas. Mas como essa estratégia de propaganda gerou uma reação em cadeia na imprensa”, acrescentou o professor do IEB e curador da exposição Era uma Vez o Moderno, em cartaz na Federação das Industrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O que foi a Semana de Arte Moderna?
Antes da semana, outras iniciativas culturais modernas já tinham sido realizadas no país, tais como as duas exposições individuais de Anita Malfatti, em 1914 e 1917.
“É preciso sublinhar uma questão que me parece de fundamental importância: o modernismo no Brasil não começa com a semana. Essa ideia de que a semana vem, apresenta obras que marcam uma ruptura em relação ao que estava sendo feito, é uma ideia falsa. Houve muitas iniciativas antes da semana e depois da semana e, ao conjunto de todas essas iniciativas, algumas individuais, outras coletivas, a gente dá o nome de modernismo brasileiro”, explicou Bagolin.
A Semana de Arte Moderna só se tornou um marco muitos anos após ter sido realizada, num processo de construção histórica.
“Sabemos hoje que, por exemplo, imediatamente à semana, nos anos 30, ninguém falava da semana. Essa ideia da Semana de Arte Moderna é uma coisa que também foi construída pela historiografia. E só lá nos final dos anos 40, nos anos 50, quando se formam os museus de arte moderna no Brasil e também quando foi lançada a primeira Bienal, em 1951, houve todo um trabalho de resgaste e de reconhecimento público desses nomes, principalmente da Anita Malfatti e da Tarsila do Amaral, que não participou da semana, mas logo se uniu ao grupo”, disse Heloisa Espada, em entrevista à Agência Brasil.
“É preciso falar que houve uma construção histórica da narrativa da Semana de Arte Moderna como um evento fundador do nosso modernismo. Isso foi construído, principalmente, com ajuda da Universidade de São Paulo (USP), a partir do início dos anos 70, sobretudo quando a universidade comprou o acervo da família do Mário de Andrade e esse acervo foi para o IEB. Começa-se então a ver uma série de pesquisas, que se transformam em teses de mestrado e doutorado, em duas áreas sobretudo: a área de teoria literária e a área de ciências sociais”, explicou Luiz Armando Bagolin.
Além disso, o livro Artes Plásticas na Semana de 22, escrito por Aracy Amaral, historiadora de arte, lançado na década de 70, ajudou a construir a importância da Semana. “Esse trabalho marcou a historiografia”, destacou Heloisa.
Tudo isso foi contribuindo para que o evento passasse a ter um caráter positivo, de enaltecimento. “A gente vai vendo o quanto, na verdade, o assunto da semana vai surgindo ao longo da história de acordo também com as conveniências de cada época. Acho que falar da Semana de Arte Moderna de 1922, cem anos depois, é lembrar de como os assuntos vão sendo construídos e de quais são os interesses em falar sobre esses assuntos”, disse.
Características do modernismo na Semana de 22
- Liberdade de expressão;
- Experimentações estéticas;
- Busca por uma identidade nacional;
- Valorização do regionalismo;
- Temáticas próximas ao cotidiano da população;
- Negação dos padrões e estéticas anteriores;
- Uso de ironia e linguagem coloquial vulgar;
- Aproximação de vanguardas européias, como cubismo, futurismo, dadaísmo, etc.
Quem participou da Semana de Arte Moderna?
- Mário de Andrade (escritor), articulador do evento;
- Oswald de Andrade (escritor), articulador do evento;
- Di Cavalcanti (artista plástico), articulador do evento;
- Heitor Villa-Lobos (compositor);
- Anita Malfatti (pintora);
- Graça Aranha (escritor);
- Guilherme de Almeida (poeta);
- Tácito de Almeida (escritor);
- Ronald de Carvalho (poeta);
- Menotti Del Picchia (poeta);
- E muitos outros.