“Meu trabalho é uma pergunta para mim”. É assim que a artista plástica Elisa Arruda se refere à sua produção artística, que se desdobra em múltiplas linguagens. O desenho é a base, mas a gravura, a fotografia e o vídeo-registro, aliados a objetos e à matéria física do seu cotidiano, surgem como suportes. Sob a curadoria de Vânia Leal, a exposição “em casa” aprofunda as reflexões sobre a condição da mulher, presentes na obra de Elisa desde 2015, a partir de 30 novas obras, muitas das quais produzidas durante o isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19. A abertura ocorreu no dia 16 de março, no Espaço Cultural do Banco da Amazônia, em Belém. O público pôde participar gratuitamente, através de um vernissage virtual com transmissão ao vivo pelo YouTube. O projeto é uma realização do Banco da Amazônia, contemplado no Edital de Pautas do Espaço Cultural Banco da Amazônia (2021), e segue com visitação presencial até 07 de maio.
Mais do que oferecer soluções, Elisa Arruda propõe que seu trabalho ilumine as dúvidas que a atravessam, sobretudo no que toca à condição da mulher, isto é, à sua própria condição. A exposição tem esse título, “em casa”, porque gravita em torno da questão doméstica, para a qual as mulheres são empurradas desde a infância.
“A domesticidade é atribuída à mulher em escala superior, se comparada ao homem. Entende-se em nossa sociedade que as tarefas e exigências da casa — a cozinha, a faxina, os afazeres provenientes dos filhos, dentre outros — são deveres efetivamente femininos. De dentro dessa realidade, convido a questionamentos sobre a vida, sobre o amor, sobre o feminino e seus atravessamentos”, sumariza.
Elisa produz uma narrativa na qual o ponto de partida é o seu próprio olhar, isto é, um olhar de mulher sobre a mulher e seu devir cotidiano. Ainda assim, por mais que reconheça em suas obras uma atividade documental, na qual muitas vezes ela própria se apresenta como a personagem que desenha, seu impulso criativo mira um contexto mais abrangente. “O meu trabalho olha para a figura da mulher com uma afetividade acolhedora, colaborativa. Partindo desse princípio, tudo o que eu fizer trará consigo um viés político, representativo da mulher que reivindica espaços, discursos e novas possibilidades de se ver e reconhecer”, enfatiza a artista de 34 anos, que vive e trabalha entre Belém e São Paulo.
Além do confessional
As primeiras obras de Elisa Arruda foram apresentadas ao público em 2015. Àquela altura, o foco de sua produção eram os desenhos em nanquim, que motivaram uma série e uma exposição sob o título “essa é você”. Agora, seis anos depois, ela continua a evocar a temática feminina, servindo-se no entanto de novas abordagens e suportes. “Meu início foi no desenho livre, depois experimentei acréscimos de tinta, buscando uma proximidade com a cor e a pintura. No projeto “Redoma de Vidro”, premiado com a Bolsa de Pesquisa e Experimentação da Fundação Cultural do Pará em 2017, eu pude investigar o que chamo de “levante do desenho”, isto é, as ações performáticas”, explica, citando o trabalho em performance realizado com a fotógrafa Ana Alexandrino na ilha de Mosqueiro, na região metropolitana de Belém.
O título “Redoma de Vidro” é uma referência direta ao romance homônimo da poeta norte-americana Sylvia Plath (1932-1963). Assim como na obra de Elisa, o ambiente da casa e os testemunhos da experiência feminina se fazem presentes em Plath. Contudo, é notório que, em ambas, a experiência artística supera o rótulo de “confessional”. A “Redoma de Vidro” de Elisa foi o ponto de partida para que ela se descobrisse e colocasse em prática sua liberdade. Seu interesse por diferentes técnicas chega ao auge agora, na exposição “em casa”, como resultado de vários anos de estudos e descobertas.
No livro “Retrato de Sylvia Plath como artista” (Galileu Edições, 2018), o poeta e tradutor Augusto de Campos ambiciona fazer “justiça à artesania que caracteriza os textos” de Plath. Diz ele: “a obra poética de Sylvia Plath não depende de diários sentimentais ou de epistolário íntimo, nem se expressa em poesia facilitária e autocomplacente, mas em técnica muito elaborada.” Leitora de poesia, com obras que fazem referência direta ou indireta a nomes como Luigi Pirandello e Wisława Szymborska, Elisa Arruda reconhece e admira o rigor de Plath celebrado por Augusto. “A técnica é o que me dá habilidade para contar histórias. Trabalho com dois pilares, o da técnica e o do “assunto”. Eu me abasteço com a vida, mas procuro me equilibrar na balança da razão e da emoção”, garante.
Assim, além de desenhos, pinturas, objetos apropriados e instalações, a exposição “em casa” contará também com trabalhos em gravura em metal — o interesse mais recente da artista paraense. “De três anos para cá, comecei a me dedicar às gravuras. Tive aulas com Ulysses Boscolo, do Atelier Piratininga, e também frequentei o ateliê de gravura da Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo”, conta Elisa.
Em casa, em pandemia
Apesar de trabalhar em home office há muito tempo, elevando à categoria de obra de arte elementos de sua rotina, como embalagens de torrada e filtros de café, Elisa Arruda garante que, no contexto da crise provocada pela COVID-19, é ainda mais difícil para a mulher conciliar casa e trabalho.
“Estar em casa sempre foi complicado para nós, devido ao patriarcado, mas desde o ano passado esse quadro se agravou. Enquanto artista, mulher e mãe, o isolamento elevou os rebatimentos do ambiente doméstico no meu dia a dia, na minha psiquê e, portanto, na minha produção”, admite.
Nas obras recentes de Elisa Arruda, o espaço doméstico e seus elementos surgem de forma humanizada. Ela nos convida a reconhecer os objetos como companhias e, ao mesmo tempo, a perceber a figura humana como mais um elemento de natureza morta, parte da casa.
Texto: Arthur Nogueira
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Serviço:
Exposição ‘em casa’, de Elisa Arruda.
Curadoria: Vânia Leal.
Visitação gratuita: 16/03 a 07/05 de 2021, de 09h00 às 17h00, no Espaço Cultural do Banco da Amazônia (Av. Pres. Vargas, 800 – Campina), de acordo com os protocolos de prevenção à Covid-19.
Realização: Banco da Amazônia, por meio do Edital de Pautas do Espaço Cultural Banco da Amazônia (2021).