Um dos casarões históricos mais importantes de Mosqueiro é também um relicário de memórias afetivas. Às margens do rio-mar, o Hotel Farol foi erguido para abrigar uma grande família que surgiu do romance entre um bragantino e uma jovem lusitana, na década de 1930. Essa história íntima de amor, se tornou parte da memória coletiva da região, inspirou a mais nova coleção de moda da designer Jackye Carvalho, que mostra as peças inéditas em um desfile nesta sexta (21), às 19h, no espaço Ná Figueredo, em Belém. A entrada é franca.
Premiado em 2018 pelo Seiva – Programa de Incentivo à Arte e à Cultura, da Fundação Cultural do Pará, do Governo do Estado, o projeto “Hotel Farol – Design do Afeto” remete à visualidade arquitetônica do prédio, tombado como Patrimônio do Estado do Pará. Repleto de azulejos portugueses, objetos seculares trazidos da Europa e traços das residências tropicais, o prédio, que data de 1931, é o mais antigo hotel em atividade na ilha.
Forjado sob a influência do estilo Art Déco, o espaço foi construído pelo advogado Zacharias Mártyres para abrigar seus 15 filhos, fruto do casamento com Adelaide de Almeida, lusitana que chegara ao Pará aos 9 anos de idade. A residência foi sendo ampliada a cada ano e passou a receber amigos do casal, que vinham de Belém para passar os feriados em Mosqueiro, o que deu ao local o nome de “Casa dos Amigos”. Atualmente administrado por filhos e netos de Mártyres, o hotel é cartão-postal da ilha. “O projeto trata das memórias não só do hotel, mas memórias afetivas que giram em torno dele”, diz a designer.
Jackye trouxe para as peças a geometria que marca o Art Decó e da Bauhaus, escola artes plásticas e arquitetura de vanguarda da Alemanha. Por meio da técnica de sublimação, a designer estampa nas peças o grafismo dos pisos e azulejos no hotel.
As imagens foram gravadas em roupa de brechó, seguindo a técnica do upcycling – que parte de peças reutilizadas que são customizadas e estampadas de forma manual. “No Curro Velho, já como professora, me aproximei muito do debate sobre moda sustentável, reaproveitamento, artesanato, e há dez anos me engajo nessa área”, diz a criadora, que há desde 2008 pesquisa e desenvolve projetos de moda sustentável na Amazônia.
“Aliar isso a história de um lugar tão emblemático como o Hotel Farol deu fruto a um trabalho muito particular, que valoriza nossa identidade cultural. A própria família Mártyres ficou surpresa com a ideia do projeto: nossa, mas a nossa história vai ir pra passarela?”, conta.
Upcycling é um modelo de produção e consumo voltado para a geração de valor e responsabilidade socioambiental por meio da ressignificação de processos e produtos. Utiliza-se de materiais no fim de vida útil para dar uma nova utilidade. “Trata-se de uma abordagem das mais inovadoras na economia criativa hoje”, destaca Jackye.
Um dos celeiros para a ressignificação de produtos e para aplicação do Upcycling são os brechós. Mais do que um local de “coisas velhas”, o brechó vem tornando-se um mercado crescente economicamente e um grande símbolo de responsabilidade ambiental para a questão do pós-consumo. “Os brechós proporcionam o surgimento de uma nova economia baseada no descarte: nada mais sustentável do que reaproveitar o que se tornaria lixo para gerar renda e diminuir o impacto negativo da indústria da moda no meio ambiente”, diz a designer, que percorreu diversos brechós do centro comercial de Belém para garimpar as peças que serviram de base para a criação da coleção.
Serviço
Desfile da coleção de moda “Hotel Farol – Design do Afeto”, de Jackye Carvalho, nesta sexta (21), às 19h, no espaço Ná Figueredo, em Belém. A entrada é franca. Realização: Seiva – Programa de Incentivo à Arte e à Cultura, da Fundação Cultural do Pará, do Governo do Estado.