A moda paraense vem ganhando o mundo. Um exemplo disso é a coleção Giovanni Galo, da estilista Val Valadares, que fez sucesso em Milão e agora em São Paulo. Ela é fruto do projeto “Criação do Polo de Moda do Marajó”, proposto pelo Sebrae em parceria com o Senai, Senar e prefeituras municipais de Soure e Cachoeira do Arari, com objetivo de incentivar a produção de moda artesanal. O projeto surgiu da grande curiosidade despertada pelo uso da tradicional camisa do vaqueiro marajoara por integrantes do Governo do Estado do Pará durante a cerimônia de abertura da Cúpula da Amazônia, realizada em Belém em agosto de 2023.
“A beleza e originalidade da peça levou à grande procura de compra, não somente por paraenses, mas por pessoas de todo o Brasil, revelando oportunidade de negócio para comunidades da Ilha do Marajó. Verificamos também que restavam poucas pessoas que fabricavam a vestimenta e por isso não existia capacidade de produção instalada para suprir a demanda”, explica Selma Sousa, empresária e analista de negócios do Sebrae Pará, que atende empresas do segmento da moda e coordena atualmente o projeto Polo de Moda do Marajó.
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As peças de Val Valadares apresentadas na Semana de Moda de Milão foram confeccionadas em tecidos de alta qualidade, como o linho e o algodão, e possuem modelagem contemporânea, com poucos cortes, acabamento premium e botões sustentáveis feitos com sobras de madeira local, como o pau-brasil. Além disso, a cor de cada linha da coleção representa uma ave regional: guará (vermelho), garça (branco), uirapuru (azul), marreca (cru), sururina (amarelo) e bico-chato (verde).


“Ver uma mulher guerreira, determinada, empreendedora, que começou lá “de baixo” brilhar para o mundo, trazendo nossa história, através de sua arte com a criação de peças lindas para a maior vitrine da moda mundial, vivenciar isso, não tem preço, avalia o representante do Conselho Deliberativo do Sebrae/PA Fábio Lúcio Costa.
Val sempre trabalhou com alta moda, desde seus 15 anos de idade, e foi procurada pelo Sebrae em julho do ano passado. “Eles me chamaram para participar da capacitação e para fazer uma releitura da camisa marajoara com um estilo sofisticado. Deu tudo tão certo, que em setembro eu já estava expondo meu trabalho em Milão”, explica.
“Esse é um projeto maravilhoso! O Sebrae nos capacitou, e agora nós retribuímos fazendo capacitação para as meninas do Marajó também se especializarem e gerarem renda”.
O trabalho é tão refinado, que Val criou até botões especiais de marchetaria, os quais são destaque no trabalho de arte das suas camisas. Em dezembro deste ano os modelos foram destaque em eventos de moda em São Paulo e Belém.
“Nesse desfile de São Paulo, atuei em parceria com a Seringô, marca voltada para a bioeconomia. Produzi duas peças com borracha de seringa. Eles me forneceram a nata da seringa e eu fiz as peças. Muitas pessoas me procuraram após o desfile”, relata.
“Não faço muito peças com conceito para as passarelas. Gosto de fazer mais peças comerciais”.
“Acredito que, para trabalhar com moda, é preciso ter o básico: estilo, bom gosto e qualidade. No meu estilo, trabalho com ancestralidade e grafismo. Meu bom gosto me permite trabalhar deixando a peça bonita, refinada, de modo que a pessoa se sinta à vontade de usar em qualquer lugar do mundo e não apenas porque ela está na Amazônia no período da COP, por exemplo. No quesito qualidade, a minha habilidade como modelista me permite caprichar na modelagem”.
Val já lançou três coleções: Uirapuru, Giovanni Galo (exposta em Milão) e Arara Amazônica.
Autodidata, ela é quilombola e nasceu em Jacundá, interior de Moju (PA). Quando criança, brincava de produzir desfiles de moda nos troncos do açaizal próximo à sua casa. Atuou muitos anos como costureira de bairro fazendo roupas sob medida, até que precisou se reinventar durante a pandemia da covid-19.
“Nessa época criei uma autorizada e passei a criar peças para marcas autorais em Belém, porque, por causa da pandemia, parou a demanda por roupas de festa. Então me juntei com duas empresárias e passamos a fazer coleções de roupas para vestir em casa. Quando terminou a pandemia, eu estava com mais oito costureiras trabalhando para mim. Sai das festas pra fazer o casual fino. Entendi que eu era capaz de produzir em série para grandes marcas e também capacitar costureiras”.
“Até despontar ano passado, foram mais de 50 anos investindo no meu trabalho, tanto profissionalmente quanto espiritualmente”, diz.
Pará tem potencial para ser um grande polo de moda
Val acredita que o Pará pode se tornar um grande polo nacional de moda com produção de alta qualidade. “Hoje eu também ajudo as pessoas a olharem de outra forma para esse segmento. É possível fazer peças simples, mas de muita qualidade. O mercado deseja qualidade”, avalia.
Não à toa, muitas outras mulheres se inspiram no trabalho dela. “No último desfile do Sebrae, eu senti uma grande evolução, mas precisa melhorar mais ainda. O aperfeiçoamento demora um pouco, mas ele acontece. Aqui temos muitas pessoas talentosas. E iniciativas como essa do Sebrae são essenciais para despertar esses talentos”.
A vinda da COP para cá também movimentou o mercado. O Sebrae investiu muito na gente, não apenas com capacitação, mas também produzindo os desfiles e arcando com todos os custos deles”.
Em Soure, as participantes receberam em um ano 13 capacitações, sendo quatro em técnicas para produção (costureiro industrial, camisaria, modelagem e bordado em ponto cruz). As demais foram na formação para gestão do negócio (custos e formação de preços, comportamento empreendedor, Comece Certo – Formalize-se, Economia Criativa, Negócios Digitais, Gestão do Pequeno Negócio). Além disso, elas participaram de quatro eventos, sendo dois desfiles e duas feiras de negócios. Em Cachoeira do Arari, houve duas capacitações técnicas (costureiro industrial e bordado em ponto cruz) e duas em gestão.
“Nas primeiras visitas técnicas, compreendemos que o conhecimento não poderia chegar através da teoria e sim através de exemplos reais, por isso criamos a estratégia de incluir no projeto 7 marcas de Belém (Amazônia Zen, Madame Floresta, Val Valadares, Seiva Amazon Design, Isabela Sales Design, Art’Genuina e Ná Figueredo), que fizeram as coleções com inspiração nos grafismos. Estas marcas levaram os produtos para Soure e fizemos alguns encontros com as empreendedoras locais que puderam ver, pegar, sentir a textura dos tecidos, conhecer as técnicas utilizadas de estamparia e bordados, conferir as modelagens, acabamento, etiquetagem das peças e não menos importante a história de cada empresário e de cada marca. Elas viram que todos começaram pequenos e percorreram uma longa jornada para que hoje seja uma marca de sucesso e com público fidelizado”.
Selma Sousa, empresária e analista de negócios do Sebrae Pará