A artista visual e escritora paraense Danielle Fonseca participa da exposição “Raio-que-o-parta: Ficções do Moderno no Brasil”, que está aberta em São Paulo, no Sesc 24 de Maio, integrando o projeto “Diversos 22”, do Sesc São Paulo. A exposição celebra o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da Independência. Aberta até 7 de agosto deste ano, ela reflete de forma crítica sobre as diversas narrativas de construção e projeção de um Brasil.
A artista sempre observou a fachada da casa onde a família mora há décadas no bairro do Umarizal, em Belém, e se encantou pelo estilo arquitetônico conhecido como “raio-que-o-parta”, encontrado em fachadas de moradias antigas da cidade. Ele é composto pela justaposição de azulejos coloridos, quebrados, que formam desenhos geométricos e angulados parecidos com setas, bumerangues e raios.
É por isso que esse se tornou o tema central da exposição da artista, que passa a integrar a partir desta quarta-feira (16), o “Diversos 22”. O convite para participar da mostra em São Paulo composta por 600 obras de 200 artistas partiu do curador geral Raphael Fonseca.
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A artista também lança na ocasião o seu novo filme, o curta “Um céu partido ao meio”, sobre o estilo arquitetônico “Raio-que-o-parta”. O vídeo mostra a relação desses desenhos com os moradores. Ela escolheu os depoimentos de três moradores para contar um pouco dessa relação.
Uma delas é Katia Caripunas, moradora do bairro do Umarizal. Ela é neta do mestre de obras João Domingos Caripunas, que construiu várias casas neste bairro, entre elas, a da Danielle. “Quando escrevi o roteiro pensei, sobretudo, no bairro que nasci que para mim foi berço da cultura negra em Belém. Por isso, ele é uma homenagem à cultura afro-brasileira. À medida que a urbanização do bairro avançou, o processo de negação da cultura afro-brasileira foi aumentando também”, diz.
O estilo Raio-que-o-parta só existe no Pará
Em ambos os trabalhos, está presente a relação da artista com esse estilo arquitetônico que perpassa pela história de moradia de sua família. Segundo ela, sua casa foi deixada pelo seu bisavô Norberto Fonseca, mas o estilo raio foi feito em 1960, com sua bisavó assumindo a casa. A obra foi desenhada pelo Mestre de obras João Domingos Caripunas, cuja história está no filme.
As pesquisas para o trabalho aguçaram ainda mais o interesse da artista pelo estilo. “O que mais me causa curiosidade e encanta são os mosaicos coloridos e seus raios, bumerangues, meio-raio, entre outros, próprios do estilo modernista. Além disso, esse estilo de casa só existe aqui no Pará”, destaca. Para a exposição, Danielle captou imagens do estilo arquitetônico nos bairros do Umarizal, Pedreira, Campina, Icoaraci, São Brás e Guamá.
A arquiteta Laura Caroline Costa, que orientou a artista nesse processo e faz doutorado sobre o tema, afirma que é comum ver casas com mosaicos de azulejos na maioria dos bairros de Belém, tanto no centro histórico quanto em bairros de formação mais recente, como Marco e Pedreira. “Mas também há ocorrências em Abaetetuba e no Marajó, por exemplo. Isso nos mostra que houve ampla disseminação da estética dos raios em nosso estado”, diz.
Estilo é considerado o lado B do modernismo
Além disso, ela afirma que o estilo é considerado um lado B do modernismo. “Ele foi uma forma de assimilar a arquitetura moderna quando não havia a formação de arquitetos na nossa região. Então, os profissionais da construção civil, engenheiros, mestres de obra e pedreiros, foram os principais responsáveis por criar soluções que combinavam elementos do modernismo e painéis com cacos coloridos. Hoje vemos muito interesse pelo tema, associando o Raio que o parta à cultura paraense, o que nos leva a entender que o estilo representa um jeito peculiar de combinar arte e arquitetura”, analisa.
Confira as obras que compõem a exposição
As obras que compõem o espaço expositivo, com cerca de 1.300m², foram cedidas por mais de 100 instituições e colecionadores brasileiros, dentre eles, a Pinacoteca do Amazonas, o Museu Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte de Belém. A curadoria foi feita pelos pesquisadores Aldrin Figueiredo, Clarissa Diniz, Divino Sobral, Marcelo Campos, Paula Ramos, Raphael Fonseca e consultoria de Fernanda Pitta.
A mostra tem como objetivo mostrar ao público que a arte moderna já era discutida por artistas, intelectuais e instituições de Norte a Sul do país, desde o final do século 19. Além disso, pretende expor diversos tipos de linguagens e formas de criar e compartilhar imagens nesse período.
Para tanto, o trabalho dos sete pesquisadores e curadores da mostra foi dividido em quatro núcleos, propondo uma imersão no espaço e no tempo histórico e social das artes modernas brasileiras. Os títulos de cada núcleo, assim como da própria exposição, fazem alusão às manifestações artísticas existentes no país.
Além do trabalho inédito da paraense, a mostra tem obras de artistas como Lídia Baís, Mestre Zumba, Genaro de Carvalho, Anita Malfatti, Tomie Ohtake, Raimundo Cela, Pagu, Alberto da Veiga Guignard, Rubem Valentin, Tarsila do Amaral e Mestre Vitalino.
O projeto traz exemplos importantes de desenhos, pinturas e esculturas, além de fotografia, cinema, revistas ilustradas, música e documentação de ações efêmeras, essenciais para ampliar a compreensão das muitas modernidades presentes no Brasil.
Serviço: Exposição Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil.
Local: Sesc 24 de Maio – 5º andar – Rua 24 de Maio, 109 – Centro/SP.
Visitação: até 07/08/2022, de terça a sábado, das 10h às 20h. Domingo e feriado, das 10h às 18h. Visitação gratuita.