Rifaina vira ponto turístico em São Paulo, com praias artificiais, beach clubs e condomínios. Com 4 mil habitantes, no interior de São Paulo, fica a pelo menos 550 quilômetros do litoral paulista. Fica a 65 quilômetros de Franca (SP) e é um destino alternativo para quem busca descanso e lazer.
“Um caso raro no Brasil de cidade com alta qualidade de vida. Um lugar perfeito pra morar e passar férias com a família, evitando viagens longas até o litoral”, afirma o chef suíço Dmitri Herbert Bottani, de 52 anos, que mora no Brasil há 11 anos, sete deles em Rifaina. Um movimento que direta ou indiretamente contribui, segundo a Secretaria Municipal de Turismo, para 60% das riquezas geradas pelo município, que teve a história transformada no final dos anos 1960, quando a antiga cidade foi alagada para a abertura da represa da Usina Hidrelétrica de Jaguara.
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Em 2005, quando essa vocação para o turismo começou a ganhar forma com a primeira transformação da orla e a praia artificial, eram quatro restaurantes e lanchonetes em funcionamento. Hoje, são ao menos 14. As cerca de cinco marinas existentes naquela época saltaram para 12. Somam-se a isso empreendimentos imobiliários que sintetizam um interesse crescente em viver ou passar uma temporada na cidade.
A estimativa é de que haja em aprovação em torno de duas mil unidades habitacionais, entre apartamentos em edifício de alto padrão, casas e terrenos em loteamentos fechados, segundo o subdelegado regional do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) em Franca (SP), Marcos Antonio Parra.
“O antigo ia para explorar, para pescar, trazer o peixe para família. (…) Hoje, a pessoa quer o mesmo luxo que tem em casa. A mesma acomodação que tem na cidade ele quer que tenha nesses lugares, e isso o mercado imobiliário enxergou”, afirma.
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O alagamento da antiga cidade e o turismo de Rifaina
Rifaina é uma das cidades de menor população da região de Ribeirão Preto e fica na divisa com Sacramento, em Minas Gerais. Às margens do Rio Grande, o município de 4 mil habitantes ganhou, em 1968, uma represa para a construção da Usina Hidrelétrica de Jaguara.
O lago de 33 mil metros quadrados, que esconde as primeiras ruas e casas da localidade, tornaria-se, ao longo dos anos, um importante atrativo turístico, seja pelo interesse por esportes náuticos, seja pela pesca e pelo banho, na prainha artificial que seria criada anos mais tarde.
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Cidade com ‘cara’ de litoral
Atrativo simbólico dessa vocação turística, a orla de Rifaina passou por sua primeira reforma em 2005, seguida pelo calçadão, a partir de 2007.
Mas, com recentes intervenções, os representantes locais garantem que quem curte essa praia do interior de São Paulo, mais do que em outras similares, tem a sensação de estar no litoral, dos quiosques às palmeiras e à areia fina de construção, trocada todos os anos. A exceção é a água para o banho, que não é salgada.
Na orla, com ao menos 14 lanchonetes e restaurantes, há ainda espaços como o teatro de arena, de 1996, mas reformado em 2014.
“Você tem a areia, as palmeiras, os comércios, os ambulantes na orla da praia, tudo isso. Você tem os restaurantes e lanchonetes com as porções que você quiser, seja de peixe, batata, você tem os comércios que atendem lá na praia, o aluguel de barcos para passeio, de tendas, aluguel de cadeiras”, explica o secretário municipal de Turismo, Cláudio Massom.
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Dos ranchos aos condomínios de alto padrão
A formação do lago movimentou, em um primeiro momento, a incorporação e vendas de ranchos, entre 10 mil e 100 mil metros quadrados, procurados principalmente por amantes da pesca, explica Parra. “Foi depois virando também a mudança desse rancho de pescaria pra confraternizar com a família, com os amigos”.
Mas, principalmente depois de 2010, novos empreendimentos passaram a imprimir um conceito diferente ao mercado imobiliário, em que as famílias não só buscavam contato com a natureza, como também a segurança e a comodidade de um condomínio fechado, com portaria 24 horas, áreas de convivência e outras comodidades.
A cidade também ganharia mais projeção como um destino para festas de fim de ano, incluindo réveillons de luxo. “As pessoas já não queriam mais ter áreas grandes para cuidar, porque tem a despesa daquele cuidado, e sim ter um lote generoso, mas na faixa de 500, 700 metros quadrados em que ele pudesse construir sua casa, ter o conforto da sua casa e estar perto desse lago pra praticar os seus esportes náuticos”, diz. Hoje, o município tem capacidade de receber, ao mesmo tempo, em torno de 3 mil pessoas em hotéis, pousadas, apartamentos, ranchos e casas.
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Expansão imobiliária
Esse processo começou no início dos anos 2000 e ficou mais intenso a partir de 2010. Hoje, resulta em ao menos dois edifícios residenciais em funcionamento, de até 21 andares, os únicos construídos na orla da praia antes da atualização do Plano Diretor, que agora proíbe novos empreendimentos desse tipo – , além de quatro condomínios de casas de alto padrão, às margens do Rio Grande, segundo informações da Prefeitura.
Além dos empreendimentos já inaugurados, há pelo menos outros três prédios em construção – um deles próximo de ser inaugurado -, mais nove loteamentos aprovados, que comportam entre 50 e 600 lotes, em fase de vendas e preparação de infraestrutura, e outros seis em aprovação.
“Um dos motivos principais foi o de que o nível da represa de Jaguara não oscilar e assim não baixar os níveis d’água cerca de 15 a 20 metros nas suas cotas de inundação, como nas demais represas do Complexo de Furnas, tanto a montante como a jusante. Outro fator é a localização de Rifaina, por se encontrar num raio de 150 quilômetros, próxima de cidades como Ribeirão Preto, Franca, Uberaba, Araxá e demais cidades da região, servida por acessos rodoviários de boa qualidade”, afirma o empresário e engenheiro civil Amir Choaib, que atua no mercado imobiliário há mais de 20 anos.
Com o metro quadrado cotado em R$ 7,5 mil, um dos edifícios em construção terá 411 apartamentos em um espaço com comodidades como heliponto e marinas, tudo planejado para proporcionar a sensação de férias tanto a proprietários quanto a visitantes que aluguem os imóveis.
“Eles vão ter um beach [club] muito grande com piscinas, quadras. Vai ser um complexo de lazer muito grande”, afirma Massom.
Ao mesmo tempo em que os imóveis estão sendo lançados, há uma valorização no metro quadrado, que não fica abaixo dos R$ 700. Um apartamento de alto padrão que há quatro anos era vendido a R$ 700 mil na orla, por exemplo, hoje vale em torno de R$ 1,4 milhão.
Um dos fatores que ajudaram na expansão do interesse por Rifaina foi a pandemia, que mudou hábitos e fez muita gente preferir centros menores e mais próximos da natureza, diante da possibilidade de trabalhar em sistema home office.
“Sabemos de famílias que vieram de São Paulo se instalar em Rifaina, alugaram rancho ou compraram casa em condomínio”, diz Parra, do Creci.
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Esportes náuticos e contato com a natureza
Ao mesmo tempo em que o setor imobiliário se expandiu, a vocação turística para determinadas atividades também se desenvolveu nos seguintes segmentos:
- Mergulho de água doce: além da observação das ruínas da Rifaina submersa, a atividade permite ver peixes nativos como lambaris e dourados, além de formações rochosas, como cânions. A localidade tem como ponto forte o fato de as águas da represa se manterem no mesmo nível o ano todo, com uma profundidade média de 30 metros. O serviço hoje pode ser contratado por agências. “A gente tem um moinho que produzia tijolo, que ficou submerso, que ficou lá, intacto. Você tem a primeira ponte do município que está lá embaixo, intacta, então você tem esses atrativos”, afirma Massom.
- Praia de água doce: com a areia fina reposta regularmente, as palmeiras e os quiosques, a orla central é a opção de passeio mais popular da cidade.
- Passeios de lancha e jet ski: estima-se que, atualmente, Rifaina tenha mais de 1,2 mil embarcações pequenas e médias ao longo de 12 marinas, um reflexo da procura por passeios ao longo do Rio Grande.
- Trilhas e cachoeiras: localizada em uma área que mistura elementos do cerrado e da Mata Atlântica, Rifaina também é um ótimo destino para quem busca o contato com a natureza por meio de trilhas, como a vicinal do Taquari, com 36 quilômetros, muito procurada por ciclistas. A cidade também é destino final de uma competição em que corredores percorrem 100 quilômetros entre montanhas, partindo de Franca. Além disso, há cachoeiras e serras em cidades do entorno, como Sacramento (MG).
- Observação de aves: segundo dados divulgados pela Prefeitura, na região de Rifaina há registros de mais de 330 espécies de aves, entre elas urubu rei, alma de gato, urutau, tico tico rei e até do tuiuiú, símbolo do Pantanal.
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Acesso rodoviário: o fim da ‘curva da morte’
O acesso rodoviário para Rifaina se dá por meio da Rodovia Cândido Portinari (SP-334). Para quem vem de outras cidades do estado de São Paulo, anos atrás isso significava passar por um trecho chamado de “curva da morte”, conhecido por graves acidentes.
Mas, após a duplicação entregue em 2011, o tráfego ao município se tornou mais seguro, o que favoreceu o turismo na região.
“É uma estrada muito boa, que leva até Rifaina. É um vai e vem que fica prazeroso, porque é uma estrada muito bonita, o passeio começa na saída de casa”, diz Parra.
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Gastronomia diversificada e serviços
As mudanças no turismo local podem ser diretamente sentidas na rede de serviços à disposição dos moradores e visitantes. Hoje, a cidade conta com um total de 30 restaurantes, lanchonetes e bares, dos quais quase a metade fica na orla da prainha.
Segundo o secretário de Turismo, isso significa acomodar, ao mesmo tempo, ao menos duas mil pessoas. “Eu quero comida japonesa, tem, quero pizza, tem, quero massa, tem, quero peixe, tem, quero carnes nobres, churrasco, tem, eu quero suína, tem. Tem uma gama muito grande na gastronomia que você consegue encontrar dentro da cidade toda”, afirma Massom.
Um deles, sob o comando do suíço Dmitri Herbert Bottani, deixa à disposição dos frequentadores não só os pratos da gastronomia brasileira e mediterrânea, como também um beach club, com direito a piscina aquecida o ano todo, playground, quadra de areia, guardas-sóis e espreguiçadeiras de frente para a represa.
No cardápio, parmegiana de peixe e carne, risotos, massa fresca feita à mão, ceviche e pizza com massa de longa fermentação são alguns dos atrativos para os clientes. Engenheiro civil de formação, Bottani se lembra de ter chegado a Rifaina por acaso há sete anos, por intermédio de uma amiga. Assim que viu a paisagem, gostou do lugar, mas notou que poderia agregar algo diferente à localidade.
“Não faltava quase nada, só uma boa gastronomia , mas isso já estava resolvido (risos). Cheguei pra poder abrir um restaurante com a gastronomia, uma mistura de Brasil e cozinha mediterrânea”, conta.
Na época, o residencial onde ele instalara o restaurante tinha apenas 16 casas, Hoje são 200. “O crescimento foi gradual, tivemos o problema da Covid, mas isso trouxe para nós mudanças boas. A gente se fortaleceu e melhoramos em muitos aspectos”.
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Quem vai a Rifaina?
Rifaina atrai hoje desde pessoas da região a visitantes de outros estados. Quem está mais perto para curtir a prainha e voltar no mesmo dia “esse turista está no máximo a 50, 60 quilômetros”, explica o secretário de Turismo.
Segundo ele, no entanto, a maior parte dos turistas hoje é formada por pessoas que ou têm uma segunda residência na cidade ou vão para ficar hospedados em pousadas e ranchos. Estas, geralmente, são de centros como Ribeirão Preto (SP) e Uberlândia (MG), a até 150 quilômetros de distância.
Mas, por conta dos atrativos, já há localidades mais distantes representadas com São Paulo. Embora próximo do litoral, quem mora na capital paulista às vezes precisa enfrentar horas de trânsito para descer ao nível do mar, o que, no comparativo com o interior, não faz tanta diferença. “Nós já temos residências hoje também de pessoas de São Paulo, capital. Porque o que ele avalia: pra descer pro litoral, às vezes para andar 80 quilômetros eu demoro três horas”, diz.
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Regramentos e taxas
Para acompanhar a demanda de turistas, a cidade passou por uma série de regramentos. Entre eles está, desde os anos 2000, a adoção de taxas de turismo para vans, micro-ônibus e ônibus que levam turistas para a cidade. Os valores hoje oscilam entre R$ 799,25 e R$ 1.598,50 por dia, para veículos com até 50 pessoas, segundo atualização de uma lei municipal de 2019.
Outra norma importante é a proibição de som automotivo alto na orla. Além disso, segundo a Prefeitura, a cidade conta com 100 câmeras, que aumentam a sensação de segurança. “Temos praticamente 100% do município monitorado inclusive com câmeras inteligentes. A placa é verificada e se for veículo roubado, ele imediatamente aciona a Polícia Militar pra abordar”, diz o secretário de Turismo.
Outra regulamentação importante diz respeito à construção de novos imóveis na orla, que desde 2014, não pode receber novos edifícios verticais. Para outras regiões, a expansão imobiliária também está sujeita a regulamentações que preveem cuidados ambientais e de saneamento, como preservação de áreas, e contrapartidas, com a construção de escolas, casas populares e postos de saúde.
Para quem vive na cidade, por outro lado, ainda há muito o que se fazer para consolidar a vocação turística de Rifaina. Na visão do chef de cozinha Dmitri Herbert Bottani, ainda falta mão de obra para atender a demanda.
“Precisamos preparar profissionais do setor a fim de acompanhar esse crescimento econômico ligado ao turismo de maneira saudável e consciente, envolvendo a conservação da natureza deslumbrante que temos a sorte de ter aqui na nossa região”.
A elevação da cidade à condição de estância turística, em vez de município de interesse turístico, também pode representar mais recursos para o setor. Hoje, Rifaina recebe R$ 600 mil do governo do estado, mas poderia receber R$ 1,5 milhão, caso fosse reclassificada, o que só pode acontecer na próxima revisão estadual, prevista para 2024.
“Para isso deveria haver através da administração municipal um planejamento de crescimento ordenado e alicerçado na capacidade crescente de implantação de infraestrutura nos setores básicos de saneamento, energia elétrica, sistema viário local, capacidade de hospedagem e informações turísticas, entre outros”, sugere o empresário Amir Choaib.